terça-feira, 8 de março de 2011

Samba carioca exalta a história da medicina



 A logo oficial do desfile 2011 da Imperatriz Leopoldinense. Reprodução

O  tradicional Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, do bairro de Ramos, no Rio de Janeiro tem sua trajetória de 50 anos marcada por enredos de cunho histórico. Em 2011 a história da medicina é o tema do enredo desenvolvido pelo carnavalesco: Max Lopes.
Conheça o enredo:
A Imperatriz adverte: Sambar faz bem à saúde"

Pesquisa e Texto: Emanoel Campos Filho e Gabriel Haddad
 
Uma viagem pelo tempo leva a Imperatriz a passear pela história da Medicina, conhecendo a sua origem e o seu desenvolvimento. A arte de salvar vidas deve ter sua importância enaltecida e merece essa grande homenagem oferecida pelos leopoldinenses. Deixe o tempo te levar...
Desperta a Velha África. Desperta do solo africano o poder de curar.
Nos primórdios de sua existência, o homem encontrava na caça de animais e na coleta de espécies vegetais, os meios para sua sobrevivência. Nômade por excelência, nutriu-se dos elementos naturais encontrados para exercer o poder da cura. Praticava rituais que buscavam o autoconhecimento e o equilíbrio do ser, através das manifestações da natureza e da compreensão de seus fenômenos.
Os sacerdotes africanos, primeiros praticantes da mágica arte da cura, evocavam a sabedoria da mãe-natureza para aprender o perfeito modo de utilização das plantas, raízes e ervas medicinais.
Batidas de tambor. Danças. Ervas. Curandeiros. Uma viagem espiritual ao encontro das formas de proteção e controle do corpo. A cura estava diretamente ligada à magia e à crença na força dos poderes da natureza e seus elementos.
Com o passar do tempo, diversas outras civilizações pelo mundo passaram a desenvolver seus próprios pensamentos médicos. Dentre elas, pode-se citar os hindus, fundadores da Ayurveda (Ciência da Vida); os semitas em geral, que acreditavam na noção de que a doença era um castigo divino; os mesopotâmios que viam uma relação entre a movimentação dos astros, a mudança das estações e as doenças; os chineses, através de sua medicina tradicional que se baseava na cura por plantas e outros elementos naturais; e, principalmente, os egípcios.
O esplendor da civilização do Egito Antigo trouxe a evolução do conhecimento de diversos procedimentos médicos, o uso de numerosas drogas e a realização de pequenas cirurgias, além da técnica da mumificação, marcando a história da arte de curar.

Um traço comum entre essas sociedades citadas é a profunda relação entre a religião e a prática da cura. Seus povos, diferentemente do homem pré-histórico, acreditavam na existência de deuses superiores aos homens, que seriam os verdadeiros responsáveis pela saúde e pela doença. Os deuses, não só eram os detentores do poder de curar e dos conhecimentos médicos, mas também respondiam pelo desequilíbrio do corpo humano e pelo envio das doenças e enfermidades.

A cura mítica ainda era a base da crença do povo da Antiguidade. A magia e a religião se enlaçavam e influciavam a prática médica.
O povo da grande Grécia, inicialmente, sustentava suas crenças em sua mitologia, na qual os poderosos deuses influenciavam a vida e a morte, tendo o poder de curar ou provocar doenças. Os gregos acreditavam que a doença era um severo castigo dos céus, enquanto a cura, uma benção divina. Nos templos de Asclépio, Deus grego da Medicina, se realizavam rituais para curar, englobando banhos e poções para relaxar e adormecer, já que a cura deveria vir com os sonhos, durante o sono do enfermo.
Com o desenvolvimento do valor humanístico na Grécia, a prática da cura tomou um caráter racional, empregado principalmente por Pitágoras, o que possibilitou o surgimento de uma medicina verdadeiramente científica. Hipócrates, o pai da medicina desenvolveu métodos que se baseavam na filosofia, no raciocínio e na lógica, idealizando um modelo ético e humanista da prática médica.
A objetividade e a precisão se tornaram elementos imprescindíveis para o diagnóstico das enfermidades, sendo necessária a separação da Medicina da noção religiosa. Os estudos realizados pelos médicos passaram a substituir a fervorosa crença nos deuses e na cura pela magia pela observação empírica de seus pacientes.
Com o início do período da Idade Média, a ciência médica, assim como a vida humana, passou a ser dominada pela Igreja Católica. Esta, abafou o desenvolvimento científico e filosófico, trazendo tempos de trevas e pouca evolução para a Medicina. O conhecimento era restrito ao ambiente católico, tendo os monges como principais pensadores, que deveriam basear seus estudos na fé e na salvação da alma, ao invés da evolução científica. Para a Igreja Católica, o corpo do homem era intocável à dissecação, pois este representava o corpo de Cristo, considerando o estudo de anatomia algo pagão e inumano.
A desprezível falta de noção higiênica da sociedade medieval possibilitava a proliferação de diversas doenças, que se tornavam verdadeiras epidemias. A peste negra aterrorizou a população europeia e assolou o continente, deixando fortes marcas em seu chão.
Da escuridão, renasce a esperança com o surgimento do movimento humanista, no qual era centrado o Renascimento europeu. Um novo jeito de pensar. Uma nova mentalidade. O homem é o centro do universo. Em total contraponto à era medieval, o período renascentista trouxe diversos avanços e descobertas científicas para a Medicina. As universidades passaram a se distanciar das bases religiosas e dos credos eclesiásticos, focando nos estudos de anatomia e fisiologia, muito pesquisados por Leonardo da Vinci (pai da anatomia), Versalius e Michelangelo.
Brilha. Reluz o século das luzes. Com o advento do Iluminismo, correntes filosóficas surgem na Medicina, enfatizando o uso da razão e da ciência para explicar o universo. Um grande desenvolvimento das especialidades médicas, como a Cardiologia, a Obstetrícia e a Pediatria tiveram um grande destaque, apresentando novos caminhos para a evolução da medicina moderna. A criação do microscópio, do termo célula, da homeopatia, além das diversas descobertas na física, química e outras áreas, foram importantes acontecimentos iluministas, que possibilitaram o progresso da Medicina em geral.
Todas as evoluções demonstradas nos períodos anteriores se tornaram base para o grande desenvolvimento que a Medicina contemporânea apresentou e continua a nos apresentar. Sua evolução é constante e surpreendente. A imunização preventiva, a descoberta do raio X, a descoberta de novos medicamentos, e a cirurgia plástica são frutos deste esforço da Ciência Médica. Apesar dos debates éticos trazidos pela sociedade civil, os estudos de genética e células artificiais trazem esperança para a criação de novos remédios e vacinas preventivas. Além disso, a evolução dos estudos do DNA, traz os segredos da “Chave da Vida”, possibilitando o desenvolvimento de pesquisas relativas à clonagem.
A Medicina e a arte de curar estão sempre em evolução. O estudo e as pesquisas são extremamente necessários, para que a construção de novas técnicas de cura ou novas formas de prevenção a doenças surjam.

Povo do Brasil, povo carioca, de bem com a vida, feliz e festeiro, vai buscar no carnaval e no samba a sua felicidade e a cura para os seus problemas. O brasileiro encontra o seu bem-estar ao vestir a sua fantasia e passar pela passarela da imaginação, ao ouvir a batucada da bateria, ao sentir o pulsar do surdo como se fosse o seu próprio coração, ao ouvir a melodia do cavaquinho, ...

O povo quer sambar, quer encontrar uma forma de esquecer os seus problemas. Sai pra lá, dengue! Sai pra lá gripe suína!
O que resta a este povo guerreiro é a felicidade. Rio de Janeiro, palco do maior carnaval do mundo. Venha para cá e encontre no samba a cura para a sua dor.
Deixe o prazer do samba e do carnaval dominarem seu corpo. Com o prazer que sentimos, nosso corpo libera uma substância chamada endorfina. Esse hormônio, ao ser liberado, viaja pelo nosso organismo, oferecendo uma sensação de bem-estar, conforto, tranquilidade e felicidade.

Sinta o “hormônio da alegria” correr e alivie a sua dor sambando. O samba também faz bem para o corpo e para a mente.
Além disso, devemos reconhecer os grandes esforços dos médicos brasileiros, que tentaram, de diversas formas, trazer saúde ao nosso povo e conhecimentos para a evolução de novas técnicas médicas. Oswaldo Cruz. Carlos Chagas. Vital Brazil. Ivo Pitanguy. E muitos outros.
Parabéns médicos brasileiros! Parabéns médicos de todo mundo!

Não perdendo o espírito carnavalesco, podemos afirmar que, mesmo com toda a evolução que a Medicina tem nos apresentado e com todo o seu desenvolvimento, de acordo com a letra da marchinha dos antigos carnavais, ainda está pra nascer o doutor que cure a eterna dor de cotovelo.
“Penicilina cura até defunto
Petróleo bruto faz nascer cabelo
Mas ainda está pra nascer, O doutor
Que cure a dor de cotovelo”
Marchinha de Klécus Caldas e Armando Cavalcanti
Sambista, esqueça a dor! Vista a fantasia e caia na folia com a Imperatriz!
Sambar faz bem à saúde!

Samba enredo conta as origens do poder de curar:

"É Verde e Branco meu DNA!"

Compositores:
Flavinho, Me leva, Gil Branco, Tião Pinheiro e Drummond

Um ritual de magia...
Oh! Mãe Africa,
Do teu ventre nascia o poder de curar!
Despertam as antigas civilizações,
A cura pela fé nas orações!
Mistérios da vida, o homem a desvendar...
A mão da ciência ensina:
O mundo não pode parar!

Uma viagem no tempo... a me levar!
O valor do pensamento a me guiar!
O toque do artista no Renascimento,
Surge um novo jeito de pensar!

Luz - Semeando a ciência,
A razão na essência, o dever de cuidar!
Luz - A medida que avança,
Uma nova esperança que nos leva a sonhar!
Segredo - A "Chave da Vida",
Perfeição esculpida, iludindo o olhar...
Onde a medicina vai chegar?
No Carnaval, uma injeção de alegria,
Dividida em doses de amor,
É a minha Escola a me chamar, Doutor!
Posso ouvir no som da bateria,
O remédio pra curar a minha dor!

Eu quero é Sambar!
A cura do corpo e da alma no Samba está!
Sou Imperatriz, sou raiz e não posso negar:
Se alguém me decifrar
É verde e branco meu DNA!
Ouça a música neste link:


quarta-feira, 2 de março de 2011

O trem dos loucos

 O produtor cultural Marcelo Andrade, Moacyr Scliar (1937-2011)
e o Dr. Jairo Toledo visitam o Museu da Loucura, de Barbacena, em 2007
(foto:Arquivo Dr. Jairo Toledo)
Texto escrito por Moacyr Scliar, em 2007, após sua visita ao Museu da Loucura, de Barbacena...

Barbacena, onde estive na semana passada, para uma palestra, já foi conhecida como “a cidade dos loucos”. É uma história interessante: no começo do século passado, a cidade pleiteava se tornar a capital de Minas Gerais. Perdeu para Belo Horizonte, mas, como costuma ocorrer em nosso país, os políticos trataram de providenciar algum tipo de compensação para os barbacenenses.
Ora, naquela época grandes hospícios estavam sendo construídos em vários locais do país (o São Pedro de Porto Alegre, tinha sido inaugurado alguns anos  antes).  Era a fase do alienismo: a psiquiatria não tinha muito a fazer pelos pacientes, e por causa disso os internava em instituições gigantescas. Barbacena ganhou, então, o seu hospício. Foi construído numa fazenda que vejam a ironia, havia pertencido a Joaquim Silvério dos Reis, o traidor da Inconfidência Mineira, que recebera a propriedade com prêmio para o “serviço prestado”.
O hospício de Barbacena recebia pacientes de uma imensa região. Era no chamado “trem dos loucos”, equivalente à “nau dos insensatos”, que percorria os rios da Europa levando malucos para os hospícios. A população nosocomial chegou a 5 mil pessoas, mais ou menos como no São Pedro.
Obviamente, não havia leitos para todos. Muitos ficavam num vasto salão, cujo chão era forrado de capim. Ali, dormiam entre dejetos, insetos e ratos. Todos os dias pela manhã, os serventes recolhiam os cadáveres dos que tinham falecido à noite, tiravam o capim, colocavam-no para secar ao sol e repunham-no no lugar. Essa situação mudou. Em primeiro lugar, pela revolução terapêutica: novos medicamentos tornaram possível o tratamento de pacientes em ambulatório. Além disso, igualmente importante, cresceu a consciência dos direitos dos doentes. Os grandes
hospícios foram sendo esvaziados. Hoje, no hospital de Barbacena, restam poucas centenas de pacientes, em sua maioria casos sociais: pessoas que perderam seus vínculos e não têm para onde ir.
Uma parte do hospício de Barbacena foi transformado em museu que visitei, em companhia do doutor Jairo Furtado Toledo, idealizador do projeto, um dedicado psiquiatra que acontece ser também o vice-prefeito da cidade. O museu é pequeno, mas impressionante, e documenta de maneira sóbria as limitações de uma psiquiatria que Machado de Assis satirizou em “O Alienista”.
Barbacena não se restringe a evocar essa época por meio do museu. Há também um evento anual em que o tema da loucura é abordado por meio de espetáculo artístico e de palestras.
Barbacena não é mais a cidade dos loucos. O que a torna conhecida agora é produção de rosas, exportadas inclusive para Europa. Como observa o doutor Jairo, trata-se de uma troca simbólica. Rosas no lugar de Loucura: quem dera que isso fosse a fórmula capaz de governar o nosso mundo.

Texto Publicado pelo Jornal Zero Hora, Porto Alegre, no dia 19 de março de 2007, página 2.

terça-feira, 1 de março de 2011

Moacyr Scliar e a memória da medicina

Por Edson Brandão


O mês de fevereiro de 2011 se encerra com a perda de um grande escritor brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras, mas acima de tudo um apaixonado pela História da Medicina. O gaúcho Moacyr Jaime Scliar (1937-2011) deixou uma considerável obra literária baseada em contos e romances, mas também em importantes estudos sobre médicos e a medicina. Alguns dos principais ensaios escritos por Scliar falava da sua profissão:


Do mágico ao social: a trajetória da saúde pública. Porto Alegre, L&PM, 1987; SP, Senac, 2002.

Cenas médicas. Porto Alegre, Editora da Ufrgs, 1988. Artes&Ofícios, 2002.

Oswaldo Cruz. Rio, Relume-Dumará, 1996.

A paixão transformada: história da medicina na literatura. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.

Meu filho, o doutor: medicina e judaísmo na história, na literatura e no humor. Porto Alegre, Artes Médicas, 2000.

A face oculta: inusitadas e reveladoras histórias da medicina. Porto Alegre, Artes e Ofícios, 2000.

A linguagem médica. São Paulo, Publifolha, 2002.

Oswaldo Cruz & Carlos Chagas: o nascimento da ciência no Brasil. São Paulo, Odysseus, 2002.

Um olhar sobre a saúde pública. São Paulo, Scipione, 2003.